Um dos temas recorrentes da atualidade digital é a velocidade a que evolui a tecnologia. A este respeito um dos pensamentos bem interessante e controverso é o de Raymond Kurzweil, futurologista, mas também cientista, inventor, autor e responsável pelos projetos de inteligência artificial e processamento de linguagem da Google, contratado pessoalmente por Larry Page em 2012.

Como futurologista é conhecido por ter acertado em muitas previsões na área da inteligência artificial sendo a mais icónica a que fez em 1990 ao prever que em 1998 um computador venceria um campeão de xadrez. Este evento verificou-se um ano antes, quando o Deep Blue da IBM venceu Garry Kasparov.

Como inventor e cientista, inventou o primeiro scanner de mesa de carga acoplada, o primeiro leitor de textos para cegos, o primeiro Optical Character Recognition (OCR) omni-fonte, entre muitas outras criações. Tem 21 doutoramentos honorários e recebeu condecorações de 3 presidentes americanos.

Num paper de 2001 e posteriormente no livro The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology de 2005 descreve “The Law of Accelerating Returns” baseada na sua observação empírica de que a tecnologia evolui a uma velocidade exponencial, onde o próprio aumento da taxa de crescimento é exponencial. Como resultado, em algumas décadas a inteligência das máquinas ultrapassará a inteligência humana conduzindo a um momento a que chama “The Singularity” onde as inteligências biológica e não biológica se fundirão e estes altos níveis de inteligência se expandirão pelo universo à velocidade da luz.

As Observações Empíricas

Kurzweil sustenta que uma observação cuidada da história da tecnologia conclui que esta evolui a uma velocidade exponencial, ou seja, que um indicador chave (e.g., processamento computacional) é multiplicado por uma constante em cada unidade de tempo (e.g., duplica cada ano) e não apenas adicionado incrementalmente em cada unidade de tempo (aumento linear).

Kurzweil observou este fenómeno em diversas tecnologias, desde a eletrónica à biologia, passando pelas telecomunicações, constando ainda este fator exponencial no próprio crescimento económico norte-americano que conclui ser resultado do crescimento exponencial da tecnologia.

O fenómeno mais conhecido desta velocidade exponencial é a Lei de Moore: Gordon Moore, Chairman da Intel constatou na década de 70 que o tamanho de um transístor num circuito integrado era reduzido para metade cada 24 meses e ao mesmo tempo duplicando a sua velocidade de processamento. A lei de Moore verificou-se durante 60 anos seguidos, prevendo-se que se extinga em 2019 por impossibilidade física da redução do tamanho de um transístor.

Mas Kurzweil foi mais longe, estendendo o conceito de dispositivo computacional, começando pelos dispositivos mecânicos de cálculo utilizados no Census Norte-Americano de 1890, passando pela máquina de Turing que decifrou o código Nazi na segunda grande guerra, até aos computadores modernos. Quando observou o crescimento do rácio desempenho / preço das 49 “máquinas” resultantes deste estudo constatou que o desempenho computacional duplicou cada 3 anos entre 1910 e 1950, duplicou cada 2 anos entre 1950 e 1966 e que atualmente duplica cada ano. Concluiu assim que a própria taxa de crescimento aumentou exponencialmente e não linearmente.

Kurzweil concluiu ainda que quando uma tecnologia atinge o seu limite é substituída por outra, prevendo então que o mesmo voltará a acontecer com os circuitos integrados quando fisicamente não for possível reduzir mais o tamanho de um transístor.

Kurzweil estudou ainda uma miríade de outras tecnologias observando sempre o mesmo padrão, entre elas:

  • Custo de sequenciação do DNA – reduz para metade cada ano;
  • Mapeamento dos genes humanos – duplica cada 18 meses;
  • “Magnetic Data Storage” – duplica cada 15 meses;
  • Desempenho / Custo dos Internet Service Providers – duplica cada 12 meses;
  • Largura de banda dos Backbones de Internet – duplica cada 12 meses;
  • Velocidade máxima possível de transmissão de dados – 1940 a 1980 duplicou cada 35 meses; 1980 a 2000 duplicou cada 12 meses;
  • Desempenho / preço dos dispositivos móveis – duplica cada 10 a 11 meses.

“The Law of Accelerating Returns”

Como resultado deste estudo, Kurzweil elaborou “The Law of Accelerating Returns” que resume da seguinte forma:

  • A evolução gera uma realimentação positiva em que métodos mais capazes resultantes de um passo do processo evolutivo são usados para criar o próximo passo. Como resultado a taxa de progresso de um processo evolutivo aumenta exponencialmente ao longo do tempo.
  • Um resultado correlacionado com o ponto anterior é que o “retorno” do processo evolutivo (e.g., o desempenho, a redução de custo, etc) aumenta exponencialmente ao longo do tempo.
  • À medida que um processo evolutivo se torna mais eficiente (e.g., eficiência de custo), são investidos mais recursos no desenvolvimento desse processo, resultando num segundo circuito de realimentação positiva, que suporta também o aumento exponencial da taxa de crescimento do processo.
  • A evolução biológica é um destes processos evolutivos.
  • A evolução tecnológica também, sendo que esta representa uma continuação e um crescimento para além da evolução biológica.
  • Um paradigma ou método de resolução de um determinado problema (e.g., redução do tamanho de um transístor num circuito integrado) exibe um crescimento exponencial até que se extingue. Nessa altura surge um novo paradigma que permite a continuação do crescimento exponencial.

“The Singularity”

A conclusão deste processo exponencial é que, a prazo, a existência e a inteligência não-biológicas ultrapassarão a existência e a inteligência biológicas, crescendo a uma velocidade infinita.

Acresce que o grosso das nossas experiências passará da realidade “real” para a realidade virtual. Por exemplo, cientistas do Max Planck Institute já desenvolveram uma tecnologia que permite controlar o “disparo” de um neurónio. Para demonstrar a sua tecnologia controlaram os movimentos de uma sanguessuga viva a partir do seu computador.

Um dia que esta tecnologia possa vir a ser utilizada pelos humanos permitirá substituir, quando quisermos, os inputs vindos dos nossos sentidos por outros que simulem uma realidade virtual. De forma análoga permitirá intercetar os outputs do nosso cérebro e em vez de os aplicar aos nossos braços e pernas, por exemplo, poderá transformá-los em movimentos apropriados para o mundo virtual onde nos encontrarmos.

O resultado prático na nossa vida quotidiana do atingimento deste patamar é muito difícil de imaginar. Kurzweil nos seus trabalhos faz muitas considerações sobre o prolongamento da vida e até sobre o próprio significado da vida humana nesta altura, mas apenas conclui que acredita que o que resultar daqui continuará a representar a civilização humana.

Concluindo…

Naturalmente que este conceito de “The Singularity” pelo seu vanguardismo gerou muita controvérsia e ceticismo sobre a sua razoabilidade (sendo popular na comunidade de ficção científica, como seria de esperar).

Controvérsias à parte, as perspetivas de evolução exponencial e realimentação positiva na evolução tecnológica trazidas pelas observações empíricas de Ray Kurzweil acrescentam algumas evidências fatuais importantes ao sentimento de que hoje “as coisas andam muito mais depressa”.


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