As áreas de gestão de Recursos Humanos, tradicionalmente mais conservadoras e, pela sua natureza, muito baseadas em interações humanas, podem vir a ter um papel fundamental na adoção (e preparação das pessoas para a adoção) de novos sistemas online baseados em algoritmos de Inteligência Artificial.

O “Bot Traffic Report” de 2016, da Imperva InCapsula, que há cinco anos estuda o tráfego “automático” na Internet, indica-nos que 48% do tráfego é realizado por seres humanos. Os restantes 52% já são realizados por máquinas, os ditos “Bot”. Este é um valor que tenderá inevitavelmente a crescer, à medida que os algoritmos se desenvolvem e os sistemas de Inteligência Artificial  começam, paulatinamente, a fazer mais, melhor, com menos erros e mais barato do que os humanos. Estes algoritmos e tudo o que lhes está associado não precisam de ser perfeitos. Apenas têm de ser melhores e mais baratos do que os “equivalentes humanos”, para serem adoptados em larga escala. Mesmo em áreas que até há bem pouco tempo lhes estariam vedadas como, por exemplo e no que interessa a este artigo, o Recrutamento e Seleção (que passarei a designar abreviadamente por Recrutamento), os sistemas baseados em algoritmos de Inteligência Artificial começam a ser incontornáveis.

O Recrutamento de um candidato para uma posição numa qualquer organização é um processo complexo e com várias fases, desde a decisão de criação e/ou preenchimento de um cargo, passando pelo apuramento de candidatos com condições e perfil adequados, até à escolha e tomada de decisão sobre qual o candidato a que a organização fará uma proposta…  Ao recrutador pede-se, com crescente pressão, o melhor candidato num mínimo de tempo, com os resultados óbvios de sacrifício, da velocidade do processo, ou da qualidade do resultado final.

De início um processo total e inquestionavelmente humano, os crescentes desenvolvimentos tecnológicos permitem hoje uma abordagem automática, online, pelo menos nas primeiras fases e níveis iniciais do Recrutamento. Sem prejuízo das adequadas presenças físicas divulgando a organização nas Universidades e outros “lugares de convergência” de potenciais candidatos, de uma forma genérica, as comunicações de emprego passaram a estar essencialmente disponíveis online nos sites das organizações e nas Redes Sociais, com especial destaque para o LinkedIn. Atinge-se assim um público alvo muito maior e mais diversificado, sendo que o processo de candidatura também pode passar a ser mais simples, usualmente, a partir do próprio perfil do candidato no LinkedIn.

Neste ponto começam a ser incontornáveis os modernos algoritmos e sistemas de Inteligência Artificial, que já existem, para uma primeira e eficaz triagem de muitos milhares de candidaturas.

Recrutamento Digital – Exemplo com a Pymetrics

Empresas como a Pymetrics permitem já, aos dias de hoje, digitalizar completamente uma primeira fase do processo. A plataforma online desta empresa, por exemplo, faz uso de um amplo conjunto digital de jogos baseados em técnicas de neurociências, desenvolvidas e comprovadas ao longo de décadas de pesquisa e uso em processos tradicionais de Recrutamento, a que se associam técnicas avançadas de Big Data.

A performance do candidato nos diferentes  jogos (onde se testam áreas como a memória, o foco, a relação com o risco, a inteligência emocional e contextual), de per se, permite caracterizar os seus perfis emocional e cognitivo, construindo uma imagem unívoca dessa pessoa. Os algoritmos de Big Data, aplicados aos referidos perfis, permitem avaliar o match com o tipo de trabalho “ideal” para o candidato e com o seu “fit” para uma determinada posição (ou posições) na organização cliente.

O processo é totalmente automático e, claro, imune a eventuais preferências de um qualquer entrevistador humano, seja em termos de género, seja em termos de religião, seja em termos de raça, seja do que for. Para o candidato, este processo de Recrutamento Digital também incorpora vantagens pois, para além de minimizar o stress de ter de se deslocar ao “centro de recrutamento”, permite-lhe, caso não tenha passado à fase seguinte da candidatura, se assim o desejar e dentro das regras de proteção de dados individuais, submeter os seus perfis a outras organizações que mantenham uma parceria explícita com, por exemplo, a citada Pymetrics.

Aqui chegados e já com uma short list de candidatos, muito provavelmente, avançar-se-ia para uma fase de entrevistas presenciais. Só que a “short list” ainda pode ser imensa… e pode fazer todo o sentido incluir um segundo passo de Recrutamento Digital, na forma de um sistema de entrevistas automático…

Recrutamento Digital – Exemplo com a HireView

Empresas como a HireView facultam já sistemas em que o candidato responde, via entrevista em vídeo, a um conjunto pré-definido de questões. Estas “entrevistas” podem ser realizadas em qualquer momento e lugar, via “PC”, “tablet”, telemóvel ou outro dispositivo adequado.

As questões são, tipicamente, definidas e estruturadas pela empresa cliente e as respostas que o candidato dá para a câmara, são gravadas e analisadas automaticamente por algoritmos de Inteligência Artificial em vertentes como a pesquisa de keywords, entoação e linguagem corporal (noutras versões, a entrevista pode até ser “live”, com as mesmas análises automáticas a serem realizadas e a complementar as impressões do entrevistador humano).

Os resultados deste segundo passo do Recrutamento Digital, de novo imunes a eventuais preferências de um entrevistador humano, permitem construir uma short list (mais pequena!) objetiva, devidamente tipificada e validada, com os melhores candidatos que, agora sim, poderão entrar num processo mais personalizado com interação física com a empresa cliente e entrevistadores / decisores humanos.

Recrutamento Digital – A necessidade de nos prepararmos

Num mundo em que, cada vez mais, quer os melhores candidatos quer os melhores recrutadores não abundam e “correm contra o relógio”, o Recrutamento Digital reinventa toda a indústria do recrutamento, incrementando dramaticamente a produtividade, a experiência high-tech de uma nova geração de candidatos e a qualidade dos resultados finais.

É todo um “admirável mundo novo” em desenvolvimento, que não dispensa a crucial validação por métodos tradicionais nem o envolvimento e comprometimento da gestão de topo das organizações, em que o conhecimento e a capacidade de intervenção passam, cada vez mais, a residir e a serem gerados e geridos em sistemas inteligentes com pouca ou nenhuma intervenção humana.

Como referi em artigo anterior (Gerir & Liderar / “(Não) Vamos delegar nas máquinas?”) preparemo-nos e aprendamos. Aprendamos muito! Esta mudança de paradigma não espera por nós. Mas é nossa a responsabilidade de sermos proativos no incremento de conhecimentos e capacidades das pessoas, dentro e fora das organizações.

 


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