Numa altura em que se fala tanto de inovação, disrupção e startups não deixa de ser interessante voltar ao artigo original de Clayton Christensen que cunhou o termo Tecnologia Disruptiva, com mais de 20 anos, verificar a sua atualidade, notar como muito do que ainda hoje se escreve sobre inovação está inspirado nesta descoberta, mas também que há muitos fenómenos de inovação transformacional que este modelo não explica.
A teoria da Inovação Disruptiva foi publicada pela primeira vez na Harvard Business Review de janeiro de 1995 e mostrou que um dos padrões mais consistentes no mundo dos negócios é o fracasso das empresas líderes de mercado em preservar essa liderança, quando há uma mudança tecnológica significativa. Paradoxalmente, essas empresas estabelecidas perdem a liderança fazendo o que dita um dos maiores dogmas da gestão: ficar perto dos clientes e dar-lhes o que eles querem!
Mas como é possível que empresas que investem tão agressivamente e com tanto sucesso para reter os seus clientes depois falhem a evolução dos seus produtos e não conseguem servir os seus clientes no futuro?
O Paradoxo
Clayton Christensen constatou que empresas estabelecidas e bem geridas estão consistentemente à frente da sua indústria no desenvolvimento e comercialização de novas tecnologias, sejam elas melhorias incrementais ou novas abordagens radicais, desde que estas enderecem a próxima geração de necessidades dos seus clientes atuais.
Por próxima geração de necessidades entenda-se a melhoria do desempenho das características de um produto ou serviço, por exemplo, o aumento da capacidade de armazenamento dos discos rígidos, o aumento do número de cópias por minuto das fotocopiadoras ou o aumento de metros cúbicos de terra removida das escavadoras.
No entanto, estas mesmas empresas raramente estão “na linha da frente” do desenvolvimento e comercialização de novas tecnologias que inicialmente não endereçam totalmente as necessidades de desempenho dos clientes convencionais (“mainstream customers”), que representam a maior fatia do mercado. Ou seja, inicialmente o desempenho das características do produto ou serviço é inferior ao que precisam os clientes convencionais e é atrativo apenas para um pequeno nicho emergente. Adicionalmente, este nicho está na parte de baixo do mercado onde as margens são pequenas.
Nesta altura, as empresas estabelecidas e bem geridas estão a fazer o que lhes compete: alocar os recursos da empresa a servir as necessidades dos clientes e a excluir tudo aquilo que não endereça estas necessidades.
E a investigação de Christensen mostrou que não se trata de miopia da equipa de gestão destas empresas, mas de gestores a fazerem bem o seu trabalho. Ou seja, processos de decisão de investimento bem executados não alocam recursos a “business cases” com projeções de dimensão de mercado muito duvidosas, com margens pequenas e que manifestamente não sustentam a estrutura de custos da empresa (que numa empresa estabelecida normalmente é alta) nem contribuem para o crescimento das receitas da organização.
Resumindo, perante a escolha de investir numa tecnologia disruptiva e descer para a parte de baixo do mercado onde as margens são baixas, obrigando a reestruturar a atual organização, ou investir nos clientes atuais e ir para a parte de cima do mercado onde as margens são altas e sustentam o formato atual da empresa, não há dúvida nenhuma.
A Ultrapassagem
O que acontece de seguida é surpreendente: a evolução do lado dos clientes da necessidade de desempenho da tecnologia (e.g., capacidade de armazenamento dos discos rígidos) aumenta a uma velocidade menor do que a evolução do desempenho da tecnologia tradicional e da emergente (cujas velocidades de evolução até podem ser muito similares).
Assim, a determinada altura, a tecnologia tradicional ultrapassa largamente as necessidades dos clientes convencionais (“overshoot”), ficando a empresa estabelecida apenas com o topo do mercado e a empresa disruptiva com o mix certo de características para a maior fatia do mercado. Mas nesta altura é tarde demais e a empresa incumbente, apenas com um punhado de clientes, já não tem tempo para voltar atrás, definhando. A figura abaixo exemplifica este movimento.
Um dos exemplos mais emblemáticos encontrados pela investigação de Christensen foi o da indústria dos discos rígidos. Entre 1976 e 1992, o desempenho das características dos discos rígidos melhorou a uma velocidade vertiginosa: o tamanho físico de uma unidade de 100 MB reduziu de 88.490 cm3 para 131 cm3 e o custo por MB diminuiu de $560 para $5. No entanto nenhum dos “players” que dominou uma geração da tecnologia (Seagate, Quantum, etc) dominou a seguinte.
A Solução
1. Determinar se uma tecnologia é ou não disruptiva
Uma das técnicas possíveis apontada pela investigação de Christensen é procurar desentendimentos entre as equipas técnicas e as equipas de marketing e financeira. Estes dois últimos seguem os clientes atuais e o formato atual da empresa, os primeiros conseguem identificar o potencial de uma nova tecnologia mesmo que não sirva os clientes atuais.
2. Determinar o significado estratégico da tecnologia disruptiva
Não pergunte aos seus clientes de maior sucesso o que precisam! Estes, que estão à frente das suas indústrias, competem agressivamente e pedem aos seus fornecedores mais importantes o melhor dos seus produtos, conduzindo-os à situação de “overshoot”.
Em vez disso, reúna os seus melhores técnicos e conselheiros e peça-lhes que afiram se a nova tecnologia poderá evoluir mais rapidamente que as necessidades do mercado. Ou seja, se a nova tecnologia um dia poderá vir a endereçar os clientes convencionais (“mainstream customers”).
Note que esta é a questão crítica, e não se a nova tecnologia vai ultrapassar a antiga, pois isto, de acordo com a investigação de Christensen, não aconteceu em muitos dos casos estudados (esta questão lembra a história de dois exploradores que são surpreendidos por um leão, um deles aperta os ténis antes de começar a correr e perante a pergunta do outro – Mas por que é que apertas os ténis? Não vais conseguir correr mais rápido que o leão. – lhe responde: Pois não, só preciso de correr mais rápido do que tu!).
3. Determinar o mercado inicial para a tecnologia disruptiva
Se o mercado ainda não existe, as ferramentas tradicionais de “market research” não vão funcionar. As características deste novo segmento de mercado têm que ser criadas de raiz: quem são estes clientes, que dimensões do produto ou serviço mais valorizam, quais os “price points” corretos, etc.
A única maneira de criar do zero esta informação é experimentar de forma rápida, iterativa e barata (“fail fast and cheap”) o produto, mas também o próprio mercado, para determinar as características de ambos.
4. Colocar a tecnologia disruptiva numa organização separada
Finalmente, é necessário assumir que os processos de decisão de uma empresa estabelecida vão, naturalmente e bem, matar qualquer tecnologia disruptiva. Assim, é necessário colocar o desenvolvimento e comercialização da nova tecnologia numa organização separada.
Mas, segundo Christensen, esta técnica, utilizada em muitas situações, é por vezes mal entendida. Apenas é necessário utilizá-la quando estamos perante uma tecnologia disruptiva com margens muito inferiores ao produto convencional (“mainstream”) e que serve inicialmente clientes diferentes dos atuais da organização estabelecida. Pois apenas nesta situação os processos de decisão da organização incumbente falham (e bem!).
Concluindo…
Clayton Christensen escreveu depois, em 1997, o livro “The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail”, que ganhou inúmeros prémios e foi considerado um dos mais inspiradores livros de gestão de sempre. Christensen construiu uma carreira a partir daqui refinando a sua teoria ao longo do tempo. Lendo o seu trabalho, encontramos também a inspiração de muitas outras teorias de gestão de inovação muito em voga hoje em dia.
No entanto, há muitos outros fenómenos de inovação disruptiva que a teoria do Christensen não explica, como por exemplo o sucesso da Apple, que criou uma nova categoria de produtos com o iPhone, produto que não veio da parte de baixo do mercado, mas antes da parte de cima, com grandes margens. Adicionalmente, a estratégia da Apple sempre passou pela parte superior do mercado nos produtos subsequentes (e.g., iPad), sempre com sucesso.
Inclusivamente, houve alguma polémica depois de uma nova publicação de Clayton Christensen na Harvard Business Review de dezembro de 2015, ao afirmar que o Uber não pode ser considerado uma inovação disruptiva por não ter começado como um serviço menor e mais barato, interessante apenas a uma franja inferior do mercado.
Polémicas à parte sobre quem é o dono do termo Inovação Disruptiva, a teoria de Clayton Christensen continua a ser uma peça fundamental de qualquer estratégia de inovação, mas não pode ser a única, pois há outros fenómenos de inovação transformacional que não explica.
Hoje vemos empresas estabelecidas e não startups a atacar com sucesso mercados adjacentes (e.g., Facebook vs imprensa) e mercados bem diferentes do seu (Google vs construtores de automóveis) “disrompendo” também qualquer ideia estabelecida que possa haver sobre inovação.
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