Regressamos ao trabalho de Clayton Christensen, figura incontornável do mundo académico da inovação, desta vez para falar do trabalho Know Your Customers’ “Jobs to Be Done” publicado na Harvard Business Review de setembro do ano passado.

Neste artigo, Clayton Christensen concretiza muito bem um tema há muito falado no mundo da inovação: no desenvolvimento de novos produtos o importante é encontrar as necessidades das pessoas que não estão preenchidas ou que estão mal preenchidas com os produtos e serviços existentes no mercado.

Clayton Christensen vai mais longe afirmando que as empresas estão a seguir o caminho errado ao colecionar dados infindáveis sobre os clientes e a procurar correlações e padrões que permitam determinar as características sociodemográficas destes. As características de um cliente não explicam a razão de ele comprar o produto A ou B em determinadas circunstâncias.

Ao invés, as organizações devem tentar perceber quais as necessidades que os seus clientes querem ver preenchidas quando compram um produto ou um serviço. Nas palavras de Christensen: quando compramos um produto estamos a “contratá-lo” para fazer um determinado trabalho. Contratamo-lo porque queremos alcançar algo; pode ser uma coisa simples como passar o tempo enquanto esperamos numa fila ou uma coisa mais relevante como matar a fome matinal. Ou seja, queremos que um determinado “trabalho seja feito”.

O importante é o que o indivíduo pretende alcançar

Neste pequeno vídeo onde explica esta teoria, Christensen relata um excelente exemplo de um trabalho que a sua equipa fez para perceber o consumo de batidos de leite numa grande cadeia de fast-food e aumentar as suas vendas.

Através de uma análise no terreno onde questionaram os consumidores à saída da loja, concluíram que a maior parte dos consumidores de batidos dessa cadeia de fast-food compra um batido para tomar o pequeno-almoço durante a longa viagem matinal de carro para o trabalho. Com um batido, conseguem simultaneamente um conjunto de coisas que não conseguem com nenhuma outra alternativa: um pequeno-almoço supostamente nutritivo e saudável, uma refeição que os mantem sem fome toda a manhã, uma distração durante boa parte da viagem e a possibilidade de tomarem o pequeno-almoço no carro, sem se sujarem. Este é o conjunto de coisas que os consumidores pretendem alcançar com a “contratação” de um batido.

Uma boa inovação resolve uma necessidade mal preenchida

Neste caso, todas as outras alternativas relatadas pelos consumidores de batidos não preenchem a sua necessidade: os donuts são demasiado doces e passado algum tempo a pessoa fica com fome e têm a agravante de sujarem as mãos e a roupa, os bagels são sensaborões, uma banana não mata a fome, etc.

Note-se também que a concorrência, ou a alternativa ao batido de leite, não é apenas o batido de leite de outra cadeia de fast-food, são todas as alternativas descritas no parágrafo anterior.

As circunstâncias são muito importantes

As circunstâncias são mais importantes que as características do cliente, os atributos do produto (ninguém falou em gostar muito de batidos de morango, chocolate, ou outra característica qualquer), ou alguma nova tendência.

Neste caso de estudo, a circunstância de ter uma longa viagem de carro até ao trabalho e de não ter tempo para tomar um bom pequeno-almoço em casa ditam a compra do batido independentemente de tudo o resto.

O objetivo nunca é apenas funcional

As razões por que se faz a compra não são só funcionais, há sempre razões emocionais e sociais na decisão. Neste caso muito simples, há o relato de um consumidor que tinha uma vez “contratado” um chocolate Snickers para “fazer o trabalho” de lhe matar a fome matinal, mas ficou com um grande peso na consciência por ter comido uma coisa tão calórica e não o voltou a fazer.

5 ideias para descobrir novos produtos

No desenvolvimento de novos produtos, Christensen não defende que se acabe radicalmente com as técnicas de análise de mercados que hoje existem: focus groups, pesquisa etnográfica, painéis de clientes, personas, etc, são todas técnicas válidas. O que defende é que sejam utilizadas com um outro enquadramento mental: o de descobrir necessidades mal servidas. Propõe fazer esta identificação utilizando 5 questões:

Identifique as suas próprias necessidades ou “trabalhos que precisa que sejam feitos”.

Independentemente de todas as ferramentas de análise que hoje existem, muitas das grandes inovações vieram de necessidades mal preenchidas do próprio autor ou de amigos. Quem não se lembra da história do post-it, hoje uma categoria de produtos, que nasceu porque um colega do Dr. Spencer Silver resolveu segurar as suas pautas de música religiosa com uma cola que descolava facilmente e que tinha resultado de uma invenção falhada.

Identifique áreas de não consumo.

O exemplo do post-it serve também para ilustrar esta fonte de ideias: necessidades que não são de todo servidas pelos produtos e serviços existentes no mercado. Nos tempos que correm, com as possibilidades trazidas pela tecnologia talvez esta seja a categoria de inovação mais perseguida pelas start-ups. Os exemplos são inúmeros: airBnB na ligação de quem tem um alojamento para alugar com quem precisa dele, Coursera na formação de adultos que trabalham, etc.

Identifique ”workarounds” que as pessoas inventaram.

Um grande filão de ideias para necessidades mal preenchidas são pessoas a “desenrascarem-se” com soluções caseiras, inventadas por si. Mais uma vez o post-it também serve de exemplo.

Identifique tarefas que as pessoas não querem fazer.

As tarefas que as pessoas não querem fazer ou não têm tempo para fazer podem também resultar em grandes negócios.

Identifique utilizações surpreendentes que as pessoas deram a produtos existentes.

Uma boa fonte de ideias para necessidades mal preenchidas são pessoas a torcerem os produtos ou serviços existentes para obterem soluções para outras necessidades que não aquelas para as quais o produto ou serviço foi pensado inicialmente.

Concluindo…

O tema de identificar necessidades mal preenchidas é um tema amplamente tratado nos círculos da inovação. O próprio Christensen já o tinha abordado noutras alturas (ver também o artigo Marketing Malpractice: The Cause and the Cure que Christensen referencia no artigo aqui analisado). Num artigo anterior no nosso Blog, Inovar sem utilidade?, falámos também de uma técnica muito engraçada para treinar a mente a fazer esta descoberta.

O interessante do artigo aqui relatado é o quadro de referência muito simples que apresenta e que nos parece muito útil para ajudar na descoberta de novos produtos.

 


Artigos Relacionados:

Mas afinal o que é uma Tecnologia Disruptiva?

Inovar sem utilidade?

Quer inovar? Falhe, falhe muito e rápido.