No anterior artigo “Serviços IoT: avatares de serviço” iniciámos uma discussão sobre a forma como a Internet of Things (IoT), Machine Learning e User Experience (UX) têm que se articular para responder ao grande objetivo de qualquer negócio de consumo: antecipar as necessidades dos utilizadores e agir.
Naquele artigo, vimos como a experiência do utilizador fica enriquecida quando os equipamentos e dispositivos – sensores e atuadores – não se limitam a uma utilização local. Ao proporcionar uma experiência uniforme através da cloud, um serviço pode ser usado em qualquer lado e a importância dada pelo utilizador transfere-se do equipamento ou dispositivo para o próprio serviço.
No presente artigo, tecemos algumas considerações sobre a influência determinante que a inteligência dos sistemas cloud, em particular, a previsão dos comportamentos dos utilizadores, têm na adoção de um produto de consumo IoT baseado na cloud.
Estes temas são extensivamente aprofundados nos livros “Observing the user experience” e “Smart Things – Ubiquitous Computing User Experience Design” escritos por Mike Kuniavsky.
Quando pretendemos lançar produtos IoT de consumo, com os dados a serem guardados na cloud, é fundamental percebermos quais devem ser as suas principais características e o que devemos garantir no desenho da nossa oferta.
O que não vale a pena oferecer
Começamos por dizer o que não vale a pena oferecer: simples telemetria e controlo. Ligar um sensor num sitio qualquer e obter simples medições, tem um valor, no mínimo questionável, no negócio de consumo.
Na indústria, é claro que podemos retirar valor da coleção e análise de dados, como já discutimos no anterior artigo “Bicicletas, turbinas e gémeos digitais”. Quando uma empresa está a tentar otimizar um processo de produção, distribuição ou manutenção, tem a motivação e provavelmente os conhecimentos técnicos para interpretar os dados recolhidos, imaginar cenários e usar as ferramentas necessárias para aumentar a eficiência do seu processo.
No entanto, para a generalidade das pessoas, ligar dispositivos à cloud e simplesmente colecionar dados não tem grande utilidade prática, uma vez que, só por si, não resolve nenhum dos problemas do seu dia-a-dia.
A simples telemetria resulta, na maior parte das vezes, num problema de experiência de utilizador, empurrando para ele a responsabilidade de saber o que fazer com os dados, de os interpretar e criar valor a partir da informação recebida.
Este é um esforço cognitivo excessivo, quando comparado com os benefícios que o utilizador pode recolher, uma vez que lhe falta, muitas vezes, o conhecimento, a disponibilidade ou a motivação para ultrapassar os problemas que pretendia resolver.
O utilizador continua com os mesmos problemas que tinha, e ainda se sente com obrigação de fazer um trabalho extra, para gerir e entender o sistema. Não beneficia nada com o produto e ainda tem que fazer um esforço para tentar tirar algum partido daquilo que comprou.
E isto é o contrário do prometido pelos produtos de IoT em cloud, que garantem tornar a vida melhor e mais confortável, o que leva a desapontamento por parte dos utilizadores quando percebem o pouco que retiram do produto.
Assim se faz a separação entre brinquedos (opcionais, marginais, interessantes como hobby para algumas pessoas) e ferramentas (úteis, essenciais, com valor retirado diretamente da sua utilização).
O valor de um serviço de consumo de IoT em cloud é a capacidade de fazer sentido dos dados em nome dos utilizadores, reduzindo o seu esforço cognitivo, em vez de o aumentar. É permitir que os utilizadores interajam com os dispositivos num nível mais alto, mais rico do que simples telemetria e controlo.
O que vale a pena oferecer
Um serviço IoT em cloud deve oferecer inteligência e conhecimento. Deve ser capaz de se adaptar a novas circunstâncias. Deve ter a capacidade de prever o que vai acontecer a seguir, baseado no conhecimento que tem do comportamento passado dos seus consumidores e de cada um dos utilizadores em particular.
Como é que isto se faz? Criando sistemas inteligentes, com inteligência artificial, em particular machine learning, através de análise preditiva e predição de comportamentos (predictive behavior).
A Amazon diz que o seu produto echo está na nuvem, e por isso está cada vez mais inteligente.
Estes sistemas modelam o comportamento não só do utilizador que está a usar o serviço, mas de toda a sua base de clientes. Criando modelos e padrões de utilização e incluindo fatores como a localização geográfica, o dia do mês, o dia da semana, o tempo e por vezes fatores menos óbvios, como os calendários políticos e desportivos.
Os computadores são especialmente bons a processar grandes volumes de dados e a detetar e analisar padrões, entre milhões de amostras de dados, coisas que nós, humanos, dificilmente conseguimos fazer.
A magia
Embora este tipo de tecnologia digital, de processar, analisar e antecipar alguns acontecimentos já esteja a ser usado há anos, especialmente em ambientes industriais (por exemplo, para perceber qual a melhor altura para reparar uma máquina ou para antever qual a melhor rota de distribuição de um camião), era normalmente usada por técnicos especialistas com conhecimento específico do negócio.
A novidade é que, com o baixar do preço da tecnologia, estas funcionalidades começam a estar disponíveis para os utilizadores comuns, na sua vida quotidiana, sem que tenham que dedicar muita da sua atenção a perceber como um sistema destes funciona.
Este tipo de análise preditiva comportamental está agora a ser usada para os consumidores, em larga escala e em variadíssimos produtos, como netflix, spotify ou waze.
Estes sistemas não se limitam a repetir aquilo que os utilizadores fizeram no passado. Com este modelo de IoT na cloud e previsão comportamental, é possível que o “sistema inteligente” perceba qual o comportamento dos vários utilizadores num determinado momento, em particular do dono do dispositivo, prevendo as suas próximas ações e tomando decisões por ele.
Na realidade, estes sistemas tentam antecipar os desejos dos utilizadores, como se soubessem o que eles pretendem, melhor do que os próprios utilizadores.
Isto é a magia que faz com que estes dispositivos tenham muito mais valor do que simples equipamentos tecnológicos que debitam dados para a nuvem ou para uma aplicação no telemóvel.
A Google diz que não é preciso ser um geek para usar o seu produto nest.
A sedução
Estes tipos de serviços são sedutores e as empresas puxam por esta ideia, falando num mundo futuro, em quem tudo é perfeito e ajustado a cada utilizador, sem que este tenha que fazer qualquer esforço.
A Netflix diz que lhe oferece séries e filmes, a qualquer momento, em qualquer sítio e personalizados para si.
Os cenários futuristas são fáceis de imaginar. Quando, no final do dia, um carro nos conduz até casa, “adivinha” qual o nosso estado de espírito, pondo a tocar uma música adequada. Quando chegamos a casa, a televisão conhece-nos tão bem que “prevê” qual o programa de televisão que pretendemos ver. A temperatura está controlada por um sistema central que encontra o ponto ideal, balançando as nossas preferências (ou hábitos) com o consumo energético. O mordomo virtual (sim, mordomo, mesmo vivendo num T1) é tão “inteligente” que encomendou de um restaurante próximo a comida que “muito provavelmente” nos estava a apetecer. Ah… e tomou a liberdade de fazer umas encomendas no supermercado porque “percebeu” que a dispensa ia ter umas faltas nos próximos dias.
O desenho da experiência dos utilizadores
Algumas dúvidas deste caminho que estamos a tomar também são fáceis de adivinhar. São-nos prometidos cenários paradisíacos, onde a tecnologia nos serve incansavelmente de forma a antecipar as nossas necessidades e melhorar a nossa vida, mas estamos ainda no início e não é certo o impacto que este caminho terá na nossa experiência.
Como é que isto vai alterar a nossa vida? Estaremos confortáveis ao sermos guiados pelas sugestões “inteligentes” feitas pela tecnologia? Como sabemos que estamos mesmo a interagir com um sistema inteligente ou se apenas parece ser inteligente, mas pode cometer erros crassos?
Não podemos tomar a tecnologia pela tecnologia, temos que pensar como ela se adapta a nós. Como podemos desenhar a experiência dos utilizadores (UX) neste mundo em que estamos rodeados de sensores, atuadores e sistemas “inteligentes”, que preveem as nossas necessidades, para que ela seja efetivamente a mais gratificante?
Resumindo
Quando pretendemos lançar produtos IoT de consumo, com os dados a serem colocados na cloud, temos que perceber quais devem ser as suas principais características.
Não vale a pena oferecer simples telemetria e controlo. A simples telemetria resulta, na maior parte das vezes, num problema de experiência de utilizador, que quase não beneficia do produto e ainda tem que fazer um esforço para tentar tirar algum partido daquilo que comprou.
Um serviço IoT em cloud deve oferecer inteligência e conhecimento, não se limitando a repetir aquilo que os utilizadores fizeram no passado, mas tentando antecipar os desejos dos utilizadores, como se soubesse o que eles pretendem, melhor do que os próprios utilizadores.
Nos cenários paradisíacos que nos são oferecidos, onde a tecnologia tenta antecipar as nossas necessidades e melhorar a nossa vida, ainda há um desafio muito importante: o desenho da experiência dos utilizadores (UX) num mundo em que estamos rodeados de sensores, atuadores e sistemas “inteligentes”.
No próximo artigo desta série, vamos ver alguns desafios que temos pela frente no que toca a desenho da experiência dos utilizadores em contacto com máquinas que têm um crescente nível de inteligência, que conseguem prever as nossas necessidades e o nosso comportamento.
Podemos ajudá-lo a desenhar e implementar os seus projetos IoT, contacte-nos.
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