Os desafios que o “digital” hoje coloca são transversais à sociedade e, em termos empresariais, as oportunidades são imensas. Procurar-se-á, neste artigo e nos seguintes, abordar o tema do “digital” na gestão das pessoas.

Ao contrário das anteriores três grandes revoluções da história da humanidade (a “Revolução Cognitiva” (iniciada há 70.000 anos), a “Revolução Agrícola” (iniciada há 12.000 anos) e a “Revolução Industrial” (iniciada há 500 anos apenas, mas com maior expressão nos séculos XVIII e XIX)), esta quarta revolução em que estamos a entrar e que poderemos denominar “Revolução Digital”, vem alterar completamente o paradigma da evolução do conhecimento. Entramos numa nova era da Humanidade, em que, à “Evolução, Experiência e Cultura”, se acrescenta uma nova fonte de conhecimento:

– As “máquinas” (i.e., computadores).

 

Como referi em artigo anterior (Gerir & Liderar / “Os Recursos Humanos são uma máquina  – O advento do “machine learning” na gestão de Recursos Humanos”) e parafraseando Yann LeCun, o “Director of Artificial Intelligence Research” do Facebook, “… Most of the knowledge in the world in the future is going to be extracted by machines and will reside in machines…”

Muito se tem escrito e continuará a escrever sobre o impacto social e profissional desta “Revolução Digital”. Será algo de diferente, sem comparação possível com as anteriores e que obrigará a uma profunda reorganização social e ao redesenho dos fluxos e modelos económicos, produtivos e financeiros. É certo que não será já amanhã que, de uma forma generalizada, teremos os primos do “C3PO” e do “R2D2” a trabalhar connosco. Mas não podemos “parar o vento com as mãos” e será da nossa responsabilidade o sermos proativos no incremento de conhecimentos e capacidades das pessoas, dentro e fora das organizações.

O Homo Sapiens terá de aprender a conviver com um mundo pleno de “machina sapiens” cada vez mais elaboradas.

A sua vantagem competitiva alicerçar-se-á, cada vez mais, na sua vontade e capacidade de aprender, criar e inovar, na sua inteligência emocional, na sua capacidade de viver e se desenvolver em comunidade e no robustecimento dos seus pilares culturais. No restante, existirá sempre uma qualquer máquina mais rápida, precisa e barata.

Do ponto de vista empresarial, esta é também uma incontornável oportunidade de promover o desenvolvimento, a empregabilidade, a experiência e o espírito de equipa dos colaboradores, sendo que a formação pode desempenhar um importante papel neste caminho.

A formação presencial será sempre um vetor de excelência no desenvolvimento das pessoas. O contacto direto e a interação com os formadores, colegas e outros participantes, a partilha de ideias e experiências de viva voz e na primeira pessoa, o ambiente dedicado, o ritual logístico e a própria tangibilização que os materiais “físicos” conseguem emprestar à ação formativa, são insubstituíveis.

A tecnologia atual permite também e a custos mínimos, a presença remota em sessões “presenciais” com uma dinâmica, qualidade e envolvência apenas sonhadas há menos de uma década atrás. Acautelados que sejam os devidos “direitos de autor”, é também hoje perfeitamente possível disponibilizar para revisão e estudo (ou para uma audiência mais alargada), versões filmadas dessas mesmas sessões formativas, a que se podem juntar resumos das mesmas e respectivos materiais de suporte. Tudo com uma qualidade ímpar e com um custo perfeitamente gerível.

Por outro lado, a tecnologia “móvel”, permite o pleno usufruto de todos estes conteúdos formativos em qualquer local e a qualquer hora, com qualidade! Se, a isto, adicionarmos todo o potencial de desenvolvimento da aprendizagem colaborativa proporcionado pelas “redes sociais” empresariais (e não só), estamos perante um novo paradigma de formação e desenvolvimento de Capital Humano.

Realço aqui o tema da “qualidade” e do “preço”! Muitos destes conceitos não são novos, mas a evolução tecnológica tornou-os exequíveis, com elevada qualidade e com um preço comportável.

Longe vão os tempos pioneiros das primeiras tentativas de aceitação dos cursos “e-learning”. A tecnologia então disponível impunha os seus limites e a frustração era generalizada.

Hoje, contudo, a formação “online” rivaliza com a formação presencial em termos de experiência formativa, assumindo-se como um complemento válido e, em alguns casos, mesmo como uma alternativa vantajosa. Estejamos nós a falar de formações institucionais, desenvolvidas proprietariamente pela ou para a empresa, estejamos nós a falar de “webinars” participativos, estejamos nós a falar de cursos do tipo “MOOC – Massive Open Online Courses”, estejamos nós a falar de “vídeos formativos”…, a qualidade  e a experiência do utilizador são referenciais e a disponibilidade plena, com todas as universidades e entidades de prestígio a disponibilizarem conteúdos nestes formatos.

Num patamar superior, em que se incorporem tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada, a nova “Revolução Digital” permite a disponibilização de simuladores com um nível de qualidade e aproximação da realidade pretendida que excede hoje todas as mais otimistas previsões de há uma década atrás.

Por outro lado, as necessidades atuais de acesso ao conhecimento tendem a ser “imediatas” e “ubíquas”, não se compadecendo, em muitos casos, com os tradicionais processos de “Levantamento de Necessidades de Formação”, “Elaboração de Turmas”, “Convocatórias”, etc. A necessidade é urgente, não estava prevista… Mas existe algures na Internet, quase de certeza, um qualquer curso, ou um qualquer vídeo ou áudio formativos, que habilitam o colaborador naquela competência. “Coursera”, “Udemy”, “eDX”, “WOBI”, “TED”, são algumas das plataformas agregadoras que mais se têm destacado na popularização de conteúdos formativos online.

O mote passa a ser a disponibilização do conteúdo certo, no momento certo e na plataforma certa! Cada vez mais, as pessoas têm necessidade de estarem sempre a aprender, através de múltiplos canais e com outras pessoas, e não apenas durante o período normal de trabalho.

É um pouco como se fosse o colaborador, como “consumidor final”, a liderar o processo de “Levantamento de Necessidades de Formação”…

Esta é uma oportunidade de as equipas de gestão da Formação e de gestão das Universidades Corporativas poderem alavancar nas possibilidades tecnológicas desta “Revolução Digital” e subirem na escala de valor dos serviços que aportam às organizações.

Ao invés de uma postura mais reativa, o desafio está em ser-se bastante mais proativo e profundamente conhecedor, em interagir de uma forma mais estreita com o negócio e em perceber as tendências e antecipar as necessidades. Consegue-se assim pesquisar de uma forma mais eficaz o que vai surgindo em termos de conteúdos formativos adequados, fazer uma “filtragem inteligente” de uma oferta às vezes quase incontável, e disponibilizar um conjunto de conteúdos válidos, com dimensão, que permita aos colaboradores minimizarem o tempo que eles próprios gastariam nessas pesquisas.

A construção e disponibilização dinâmica dessa oferta formativa, orientada para as necessidades do negócio e baseada no que existe disponível nas várias fontes (universidades, empresas, outras organizações) funcionaria como uma primeira escolha dos colaboradores. O seu principal fator de sucesso assentaria na relevância e qualidade dos conteúdos multimedia propostos e na minimização da necessidade de os colaboradores terem de pesquisar na Internet o que não encontraram na empresa. Os próprios colaboradores seriam também contribuintes líquidos para essas mesma oferta, ao poderem, eles próprios, sugerirem (comentarem e pontuarem) outros conteúdos relevantes.

Adicionalmente, e na mesma linha de abordagem de conteúdos multimedia de elevada qualidade, em qualquer plataforma em qualquer lugar, abre-se também às organizações todo um novo leque de possibilidades formativas para os colaboradores que estão no terreno, seja a nível das equipas de instalação e manutenção, seja a nível das próprias equipas comerciais.

A tecnologia existe, funciona e não é incomportável em termos de custos. Os conteúdos também. Ambos continuam a desenvolver-se, atingindo patamares de qualidade, usabilidade e experiência de cliente cada vez mais elevados.

O desafio está, essencialmente, ao nível das pessoas, a começar pela gestão de topo.

Este é também, claro, um desafio para as equipas de formação que, para além de gerirem a formação “mais tradicional”, para além de articularem a formação no âmbito do desenvolvimento do Capital Humano da empresa, para além de garantirem toda a operacionalização dos processos físicos, para além de garantirem a atratividade dinâmica do micro-site/portal da formação ou da Universidade Corporativa, terão também de dominar não apenas os habituais temas de gestão e liderança, mas também os temas técnicos e tecnológicos, os temas de marketing e comerciais, os temas de processos, finanças, etc.

No fundo, terão de ser também uma tecnicamente competente e conhecedora equipa de research e gestão de conteúdos, com visão estratégica e capacidade de comunicação, capaz de “falar a mesma língua” e de reconhecidamente aportar valor às diferentes áreas do negócio.

 


 

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