A Economia da Partilha (Sharing Economy) e a Internet-das-Coisas (Internet-of-Things) serão provavelmente os dois maiores drivers de disrupção digital nos seguros nos próximos anos.
A primeira, ao permitir que cada um de nós assuma riscos de terceiros, fará surgir novos modelos de negócio e possibilitará a dispersão do risco e a diminuição do papel das seguradoras na cobertura deste. A segunda, ao possibilitar a monitorização remota das variáveis de risco do segurado e a posterior atuação preventiva, permitirá ao ecossistema segurador mitigar risco, reduzindo necessariamente o valor dos prémios.
Deixemos o tema da Internet-das-Coisas, mais consensual, para uma próxima oportunidade e debrucemo-nos sobre o fenómeno da Economia da Partilha no setor segurador.
Ao contrário da banca, onde a Economia da Partilha criou novas empresas que operam completamente fora do ecossistema financeiro “tradicional” e num modelo “puro” de Peer-to-Peer (ver artigo anterior “O seu próximo banco poderá ser uma start-up?”), a grande maioria das start-ups do setor segurador, baseadas na Economia da Partilha, continua a usar as seguradoras “tradicionais” a montante para re-segurar parte ou a totalidade do risco, havendo apenas registo de um par de start-ups com um modelo “puro” de Peer-to-Peer.
Vejamos de seguida os principais modelos de negócio que estão a aparecer nesta área.
Plataformas de Agregação e Negociação
Este conjunto de empresas usa os meios digitais para juntar pessoas com necessidades comuns e normalmente muito específicas (e.g., seguro de acidentes pessoais para quem faz esqui fora de pistas) e usando o volume criado e o risco muito específico negoceiam em lote com seguradoras tradicionais obtendo descontos significativos e cash backs. O seu trabalho é remunerado pela comissão de venda dos seguros (paga pelas seguradoras).
A referência deste modelo é a Bought by Many, empresa do Reino Unido, que publicita no seu site que os seus segurados poupam em média 18.6% nos seus seguros.
Este modelo cai na categoria de Consumo Colaborativo (Collaborative Consumption) e não na de Peer-to-Peer, visto que as pessoas continuam apenas a ser consumidores de seguros e não assumem o risco de terceiros. No entanto, não deixa de ser um modelo relevante na transformação digital em curso no setor, pois entrepõe-se entre as seguradoras “tradicionais” e o cliente. Desta forma, coloca as seguradoras num papel muito “commoditizado” de meras gestoras de risco que apenas conseguem competir em preço, se pensarmos que os riscos cobertos são definidos pela plataforma a partir das necessidades específicas do grupo.
Cobertura de Franquias
Um segundo modelo consiste em partilhar apenas o risco das franquias, aproveitando o facto dos modelos “tradicionais” de seguros usarem o aumento do valor da franquia para reduzir o valor do prémio.
No modelo de Cobertura de Franquias, as pessoas fazem um seguro numa seguradora “tradicional” e depois fazem um segundo seguro numa plataforma que cobre apenas do valor da franquia. Se já tiverem um seguro não precisam de mudar. O risco é partilhado em grupos.
Quando participam um sinistro ao seguro, participam-no também à plataforma que verifica a veracidade do mesmo junto da seguradora e depois se encarrega de recolher o dinheiro no grupo e pagar ao segurado o valor da franquia. A plataforma fica com uma pequena percentagem de cada franquia paga.
A referência deste modelo é a empresa francesa Inspeer. Embora represente uma grande vantagem para os consumidores, pois permite-lhes otimizar o custo / benefício dos seus seguros constitui apenas uma pequena ameaça para as receitas das seguradoras “tradicionais”.
Pooling de Prémios
No modelo de Pooling de prémios o valor do prémio pago por cada segurado é separado em dois “potes”. O dinheiro do primeiro “pote” serve para pagar as participações dos sinistros mais comuns e de menor valor, o dinheiro do segundo “pote” é usado para re-segurar numa seguradora “tradicional” os riscos mais dispendiosos. Os “potes” são normalmente separados por tipo de seguro.
No caso de sobrar dinheiro no primeiro “pote” no final do ano, a plataforma devolve o dinheiro aos segurados. A Friendsurance, uma empresa alemã referência deste modelo, publicita no seu site que até agora mais de 80% dos seus segurados já receberam um reembolso do primeiro “pote” sendo que esse reembolso pode chegar a 40% do valor do prémio anual, se não houver participações de sinistros no grupo.
As plataformas ganham dinheiro, quer com uma taxa fixa cobrada por seguro, quer com a comissão paga pela seguradora “tradicional” do seguro que cobre os riscos mais dispendiosos. Assim, na altura de pagar os sinistros, os interesses destas empresas estão mais alinhados com os dos segurados pois fazer esse pagamento é-lhes completamente indiferente, ao contrário das seguradoras “tradicionais” que têm mais lucro se pagarem menos sinistros.
Neste modelo destaca-se também a Lemonade que junta a atividade seguradora com ação social. Na subscrição do seguro, os segurados indicam uma instituição social. Esta instituição é usada para formar os grupos e o no final do ano, caso sobre dinheiro no primeiro “pote”, o dinheiro é entregue a essa instituição e não ao segurado.
Neste momento, a Lemonade opera apenas em Nova Iorque com seguros para habitação e respetivo recheio, mas teve imenso destaque nos media porque levantou $13M junto de um dos mais notórios fundos de Venture Capital, o Sequoia Capital, conhecido por ter financiado empresas como a PayPal, YouTube, Dropbox, WhatsApp, AirBnB e Google. Para alguns, só o facto do Sequoia Capital ter investido na Lemonade é suficiente para dizer que esta vai ter sucesso.
O modelo de Pooling de Prémios representa uma ameaça não desprezável às seguradoras “tradicionais” porque, para além de estar a ser o mais utilizado, deixa-as num papel muito “commoditizado”, competindo apenas em preço, retirando-lhes também a fatia do mercado com os sinistros mais lucrativos.
Seguradoras Peer-to-Peer
Nesta categoria caem as start-ups com um modelo Peer-to-Peer “puro”. Ou seja, as pessoas asseguram em grupo os riscos de cada membro. A principal referência deste modelo é a Teambrella que funciona do seguinte modo:
- O candidato a segurado submete o pedido de entrada para um grupo;
- O grupo decide em conjunto qual o grau de risco do candidato e face a esse grau de risco, qual o valor do prémio a pagar;
- Quando há um sinistro, o sinistrado submete ao grupo a respetiva participação;
- Os membros do grupo votam e caso a maioria aceite, o sinistro é pago;
- O peso do voto de cada membro aumenta consoante os pagamentos de sinistros que for fazendo.
A Teambrella ainda está em versão Beta nesta altura e, por este facto, não cobra qualquer comissão. Para já não dizem como vão ganhar dinheiro, mas dizem que quando a sua aplicação estiver finalizada, as comissões que cobrarem serão muito mais baixas do que as cobradas pelo atual setor segurador.
Existe ainda a besure com um modelo muito parecido ao da Teambrella. A besure cobra 10% do dinheiro que resta no final do período de cobertura após o pagamento dos sinistros. O remanescente é devolvido aos sinistrados.
Concluindo…
Embora de forma tímida, a Economia da Partilha já chegou ao setor segurador. Um dos fatores que urge resolver na maior parte dos países é a regulamentação. Num setor onde grande parte dos consumidores faz um seguro porque é obrigado (e.g., seguro automóvel, seguro da habitação), o não reconhecimento dos produtos oferecidos pelas start-ups do setor como contratos de seguros legalmente válidos, atrasará com certeza a sua adoção.
Apesar disto, o fenómeno está aí e não pode ser desprezado. Tem havido algum investimento na área: para além do investimento do Sequoia Capital referido em cima, a Friendsurance levantou recentemente $15M do fundo Horizons Ventures. Portanto, os investidores em inovação acreditam no modelo de negócio.
Adicionalmente, apesar de haver poucos casos conhecidos de plataformas que substituem por completo as seguradoras “tradicionais”, existem muitas outras que colocam as seguradoras “tradicionais” num papel muito pouco interessante, onde apenas podem competir em preço.
Não deixa de ser irónico que as start-ups do setor segurador critiquem as seguradoras “tradicionais” por terem um conflito de interesses com os seus segurados (i.e., ganham dinheiro não pagando os sinistros) e simultaneamente usem estas seguradoras “tradicionais” nos seus modelos de negócio. Nos seus sites, algumas destas start-ups chegam a invocar que estão aliadas a grandes seguradoras mundiais quando querem demonstrar a sua credibilidade e justificar a sua solidez.
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