Uma cultura organizacional forte é fundamental para o sucesso sustentado de uma organização. As culturas de alto desempenho são uma vantagem competitiva poderosa.

No fundo, a cultura organizacional é um ecossistema e os seus elementos interagem e reforçam-se mutuamente. Não é fácil, nem imediato o desenvolvimento e consolidação de uma cultura organizacional de sucesso. A sua construção não pode ser deixada ao acaso e as lideranças das organizações necessitam de abordar este tema multidisciplinar com o maior empenho.

O que nos motiva…

Pela perceção da sua relevância, desde o início do século XX que se estudam as motivações das pessoas para o trabalho e como a cultura organizacional pode otimizar essa motivação. Foram, contudo, necessárias oito décadas até que, na Universidade de Rochester, Richard Ryan e Edward Deci sistematizassem os principais fatores pelos quais as pessoas trabalham. Consideraram seis fatores:

  • O propósito – A pessoa trabalha porque valoriza o impacto do seu trabalho, que se espelha na sua própria identidade;
  • O potencial – A pessoa trabalha porque o impacto do seu trabalho valoriza a sua própria identidade, incrementando o seu próprio potencial como pessoa;
  • O jogo – A pessoa trabalha porque gosta, porque o próprio trabalho a desafia e motiva, estimulando-lhe a curiosidade e o desejo de aprender;
  • A pressão emocional – A pessoa trabalha porque algo externo (e.g., culpa, medo, vergonha, pressão dos pares, ansiedade) ameaça a sua identidade;
  • A pressão económica – A pessoa trabalha para conseguir ganhar uma recompensa, ou para evitar uma penalização;
  • A inércia – A pessoa trabalha “porque sim”, porque já ontem, ante-ontem e antes de ante-ontem trabalhou, sem conseguir identificar uma razão.

Os primeiros três impulsionam a performance. Os últimos três reduzem-na.

Estatisticamente, as culturas organizacionais que conseguiram inspirar nas suas pessoas um maior sentido de propósito e de potencial, um maior desafio de jogo e, simultaneamente, conseguiram reduzir as pressões emocionais e económicas, assim como os efeitos nefastos da inércia, produziram superiores resultados para os seus clientes. Numa frase… “Why we work, determines how well we work”!

The 6 reasons why people work - cultura organizacional
Figura 1: “The six reasons why people work”. (Fonte: Farnam Street Blog)

Aprender com casos de sucesso…

Analisar os ensinamentos de casos de sucesso (e de insucesso) das diferentes culturas organizacionais é uma excelente base de partida. Qualquer boa escola de negócios pode apresentar excelentes casos, nacionais e internacionais, que ilustram estes temas.

Em termos nacionais recentes, provavelmente, o caso mais marcante no desenvolvimento de uma forte cultura organizacional e criação de uma nova identidade corporativa, ocorreu há uma dúzia de anos no competitivo e inovador setor das telecomunicações e multimédia. Uma pequena sub-holding autonomizou-se da casa-mãe, reestruturou-se, reinventou-se e passou a ser a sua maior concorrente. Ultrapassando-a mesmo em vários indicadores! Essa tal, em tempos pequena sub-holding, transformou-se, desenvolveu um permanente espírito de startup, uma superior capacidade de aprendizagem e de geração de conhecimento, e uma confiança e compromisso de equipa notáveis. Conseguiu, em meia dúzia de anos, mudar radicalmente o modo como o mercado, hoje, consome conteúdos televisivos.

Como, numa conferência, uma vez se exemplificou:

“… era como se estivéssemos a competir pelo primeiro lugar num Grande Prémio… e, em plena corrida, a mudar o piloto, o motor, a suspensão, as rodas, a carroceria, etc… e, mesmo assim, conseguíssemos andar lá na frente!…”

O caso é descrito com algum detalhe em “Humanator XXI” (Capítulo 20 – “ZON – A criação de uma nova identidade corporativa”).

… e aplicar à nova era digital

Nesta nova era digital, embora os princípios motivadores do ser humano não se tenham alterado substancialmente, o ritmo a que tudo acontece e o impacto dos novos paradigmas tecnológicos não têm qualquer paralelo na história. Num ápice, tivemos de redefinir a nossa noção de crescimento organizacional para acomodar organizações com crescimentos exponenciais!

Se a construção de uma forte cultura organizacional é, de per se, um desafio para qualquer organização, numa que cresce rapidamente de 10 colaboradores, para 100, para 1000, para 10000… e em diferentes geografias, pode tornar-se numa tarefa ciclópica, mas não impossível.

Sendo válido para todas as organizações, nas empresas de crescimento exponencial da era digital torna-se absolutamente crítico garantir a cultura organizacional certa para suportar a velocidade de crescimento. Caso contrário, a organização acaba por entrar em colapso.

Uma vez mais, sendo sempre “cada caso, um caso”, os ensinamentos recolhidos da análise de casos de sucesso (e de insucesso) podem ajudar a construir as bases para um caminho de sucesso sustentável. Recentemente, a Harvard Business Review publicou um artigo sobre o tema, “Scaling culture in fast-growing companies”, que vale a pena ler. Em resumo e baseado na análise de casos, aponta um conjunto de três linhas de ação principais para a construção de uma cultura organizacional forte na era digital, a saber:

  1. Mapear a cultura organizacional pretendida em termos de comportamentos observáveis, que traduzam mesmo os seus valores mais abstratos, de forma clara e inequívoca para todas as pessoas da organização;
  2. Construir programas de formação, presencial e remota, com foco na escalabilidade, que cubram os conhecimentos, capacidades e atitudes necessários para o desenvolvimento e consolidação de cada um dos comportamentos observáveis;
    • Construir uma biblioteca digital, dinâmica, escalável e permanentemente acessível, complementar aos programas de formação, que potencie a aprendizagem e divulgação dos referidos conhecimentos, capacidades e atitudes necessários para o desenvolvimento e consolidação de cada um dos comportamentos observáveis;
  3. Garantir que o exemplo, em termos de comportamentos observáveis, é ubíquo e contínuo por parte de todas as lideranças da organização, a começar pela gestão de topo.

Provavelmente, o terceiro vetor será mesmo o mais importante. As pessoas evoluem os seus comportamentos pelo exemplo. Faz parte da natureza humana. As lideranças sempre foram e continuarão a ser um fator crítico de desenvolvimento, expansão e consolidação das culturas organizacionais. Não apenas pelo que fazem e pelo modo como atuam no quotidiano, mas também pelo reconhecimento e notoriedade que proporcionam aos demais colaboradores.

Em suma…

Esta nova era digital e o crescimento exponencial de algumas organizações coloca desafios acrescidos à boa gestão e ao bom desenvolvimento e consolidação de uma forte cultura organizacional. Mas também proporciona ferramentas de gestão e comunicação mais eficientes e eficazes. Por outro lado, a biologia humana é milenar… e as reações das pessoas aos diferentes estímulos não se alterou assim tanto.


Artigos relacionados:

As Universidades Corporativas na era digital

Recrutamento e Onboarding – Os Recursos Humanos como ‘evangelizadores’ do Digital