A última edição do “RALI – Realidade Aumentada em Lisboa”, organizado pela IT People na sede da Microsoft, veio despertar-nos para o estado da arte da Realidade Aumentada e suas implicações, profissionais e pessoais, desde o lazer à religião.

A tecnologia tende a evoluir e a massificar-se, sendo um dos grandes vetores da revolução digital que já está a acontecer nas empresas e a alastrar a outros setores da sociedade. Até recentemente, os custos associados a sistemas que envolvessem Realidade Aumentada mantinham estas tecnologias apenas ao alcance das áreas militar e espacial, e de alguma indústria. Hoje em dia, até em dispositivos móveis está disponível, fazendo dela uma opção incontornável em (quase) todos os desenvolvimentos de User Experience.

Debruçando-nos um pouco pelas curiosidades da história recente, constatamos que a Realidade Aumentada percorreu um longo caminho, desde um mero conceito de ficção, até à “realidade”. Provavelmente, o nome de Lyman Frank Baum apenas nos traz à memória a sua obra magna, o romance “The Wonderful Wizard of Oz”, publicado em 1900. Mas seria no ano seguinte que, com a sua novela ilustrada “The Master Key”, o mundo contactaria com o que, hoje, poderíamos apelidar de primeiros conceitos de Realidade Aumentada! Nessa novela, um adolescente faz experiências com eletricidade e acidentalmente toca, qual Aladino, na “Master Key of Electricity”. De chofre surge um duende em cena, que lhe dá vários presentes, entre eles, o “Character Marker”…

“… It consists of this pair of spectacles. While you wear them everyone you meet will be marked upon the forehead with a letter indicating his character. The good will bear the letter ‘G’, the evil the letter ‘E’. The wise will be marked with a ‘W’ and the foolish with an ‘F’. The kind will show a ‘K’ upon their foreheads and the cruel a letter ‘C’. Thus you may determine by a single look the true natures of all those you encounter…”

in “The Master Key”, Lyman Frank Baum.

 

O termo “Realidade Aumentada”, contudo, só foi usado pela primeira vez em 1990, por Thomas Caudell, da Boeing. E, em 1992, a equipa de Louis Rosenberg, do USAF Armstrong Research Laboratory, construiu o “Virtual Fixture”, um equipamento robótico complexo, destinado a incrementar a produtividade humana e que se considera ser o primeiro sistema funcional de Realidade Aumentada alguma vez construído.

“… Because 3D graphics were too slow in the early 1990s to present a photorealistic and spatially-registered augmented reality, Virtual Fixtures used two real physical robots, controlled by a full upper-body exoskeleton worn by the user. To create the immersive experience for the user, a unique optics configuration was employed that involved a pair of binocular magnifiers aligned so that the user’s view of the robot arms were brought forward so as to appear registered in the exact location of the user’s real physical arms. The result was a spatially-registered immersive experience in which the user moved his arms, while seeing robot arms in the place where his arms should be. The system also employed computer-generated virtual overlays in the form of simulated physical barriers, fields, and guides, designed to assist the user while performing real physical tasks…”

in “The First Fully Immersive Augmented Reality System”.

 

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Figura 1: “Virtual Fixture” (Fonte: http://www.wpafb.af.mil/afrl/)

Os trabalhos de Louis Rosenberg influenciaram determinantemente o caminho dos desenvolvimentos de sistemas de Realidade Aumentada durante os anos seguintes.

Passaram cem anos desde a “The Master Key”! Hoje, todo um leque de inovações tecnológicas convergem para a construção de sistemas cada vez mais potentes, complexos e, finalmente, economicamente viáveis e acessíveis.

Desde a capacidade do hardware, ao software, passando pelos sistemas de visualização e captação de dados e informação, tudo se conjuga para que, a breve trecho, um ou vários “digital twin” tecnológicos façam parte das nossas vidas pessoais e profissionais. Basta pensarmos que um bom smartphone contém processadores potentes, display, GPS, acelerómetro, giroscópio, bússola, RFID, sensores sem fios, reconhecimento de toque, projecção óptica, câmaras HD, “eye tracking”, microfone, reconhecimento e síntese de voz, comunicação com periféricos… Basta pensarmos que os desenvolvimentos de software (até para tirar melhor partido do hardware), são virtualmente ilimitados… E é o Mundo 4.0 na sua plenitude!

Apraz-nos saber que, por estas latitudes, a “indústria” portuguesa, das telecomunicações à energia, da medicina ao espaço, passando pelo ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade, pelas entidades ligadas ao retalho, às “smart cities”, ao turismo, aos museus e à formação, tem estado bem posicionada na adoção e desenvolvimento de sistemas economicamente acessíveis que incorporam conceitos de Realidade Aumentada.

A título ilustrativo e focando-nos em casos ainda pouco conhecidos do público, atente-se, por exemplo, em desenvolvimentos como o “AR@School  – Augmented Reality at School” da startup Umniverse. Com base em smartphones, está a ser testada, em ambiente real e com sucesso, a introdução de sistemas de Realidade Aumentada na formação de jovens.  Trata-se de um sistema inovador e de baixo custo que vem revolucionar os conceitos de “Classroom Response Systems”, dando resposta a desafios do quotidiano de estudantes, professores e gestores de escolas. Note-se que a generalidade dos sistemas até agora disponíveis no mercado são caros, exigentes em termos de hardware, de software, de setup e de conhecimentos técnicos por parte dos seus utilizadores, sendo também propensos a perturbar o normal processo de aprendizagem em sala de aula. Utilizando um simples smartphone (por parte do professor) e marcadores únicos (por parte dos alunos), o “AR@School” integra-se nas atividades da aula, permitindo a utilização de inovadoras soluções de ensino e aprendizagem. Desde a participação em avaliações, a trabalhos de grupo e de “role play”, a experimentações e jogos pedagógicos simples, por parte dos alunos, até ao acompanhamento e validação do processo educativo e administrativo, por parte do professor, todo um novo universo de abordagens educativas se abre a baixo custo.

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Figura 2: “AR@School – Augmented Reality at School”, da startup Umniverse. (Fonte: https://umniverse.com/ (As fotografias de alunos e professor foram deliberadamente ocultadas.))

A formação será, por ventura, uma das áreas de maior expansão na adoção de tecnologias de Realidade Aumentada e, por consequência, na familiarização do seu uso por parte de toda a população estudantil e ativa. Um desafio para as escolas e para a gestão de Recursos Humanos do século XXI.

A capacidade tecnológica de ligar conteúdos “reais” com “digitais” abre todo um leque de novas opções pedagógicas. A compreensão de conceitos abstratos e difíceis, a integração de matérias teóricas com a sua aplicação prática, a modelação e visualização de modelos tridimensionais complexos, a interação entre formandos, formadores e conteúdos, independentemente de onde se encontrem é, já hoje, uma realidade. Refira-se, a título de exemplos adicionais, apenas dois casos:

  • O simulador digital de soldadura, do ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade. Este simulador, para além de ter tornado a formação em soldadura mais segura, atrativa e eficiente, permitiu reduzir os desperdícios com materiais e consumíveis de custos elevados.
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Figura 3: Simulador de soldadura digital, do ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade. (Fonte: https://www.isq.pt)

  • E o caso de sucesso do Instituto Politécnico de Leiria na introdução de sistemas de Realidade Aumentada no ensino da matemática. Em 2015, no âmbito de uma tese de doutoramento, os estudantes dos cursos de engenharia desta instituição, participaram num projeto inovador em Análise Matemática, com conteúdos tridimensionais em Realidade Aumentada.
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Figura 4: Aulas de Matemática do Instituto Politécnico de Leiria, com conteúdos 3D em Realidade Aumentada. (Fonte: https://www.pcguia.pt/)

Entretanto, o mercado começa a oferecer interessantes aplicações de Realidade Aumentada orientadas para a formação e conhecimento em geral. São aplicações que, genericamente, apenas necessitam de um dispositivo que corra os sistemas operativos Android ou iOS.

De uma forma não limitativa, listam-se uns quantos exemplos de aplicações de Realidade Aumentada úteis, disponíveis na Google Play e/ou Apple Store (quase todas gratuitas), que vale a pena investigar e acompanhar:

 

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Anatomy4D

Anatomy 4D

A aplicação possui uma biblioteca de desenhos de órgãos e partes do corpo humano que, uma vez impressos, permitem que o dispositivo faça um “scan” e produza os modelos 3D correspondentes. O utilizador pode interagir com os modelos e perceber o funcionamento de articulações, órgãos e demais sistemas do corpo humano.

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CARE4D

CARE4D – Core Augmented Reality Education

Muito orientado para crianças em idade escolar, abrange matérias de ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Inclui palestras e aulas com modelação de objectos, revisões, testes e módulos de apoio ao professor, com perguntas e respostas.

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Experience Chemistry

Experience Chemistry

Aplicação com vários níveis de puzzles de reacções químicas em laboratório interativo. A aplicação permite que o aluno tente combinações de elementos no processo de aprendizagem, desafiando o seu saber com investigações e questionários.

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Google Translate

Google Translate

Adicionalmente às funcionalidades já conhecidas, a nova versão inclui a World Lens, baseada em Realidade Aumentada, que permite a tradução de linguagens simbólicas, em tempo real. Permite também a escrita e tradução de símbolos linguísticos, assim como a tradução de voz bidirecional.

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Wikitude

Wikitude

A aplicação adiciona informação útil a objetos e vistas reais (e.g., informação relevante sobre o que está no campo de visão do dispositivo, terminais MultiBanco nas proximidades, farmácias, parques de estacionamento, restaurantes). Muito orientada para viajantes e estudantes, o sistema permite também o ensaio e construção de campanhas de marketing, publicidade e aquisição de conhecimentos georreferenciadas.

 

Os exemplos dados, meramente ilustrativos, focam-se nos tópicos da formação e conhecimento. Uma pesquisa breve na Internet facilmente os complementaria com exemplos dedicados a áreas tão díspares como o ambiente, a construção civil, a gestão de risco, a banca, os sistemas de emergência e de “disaster discovery”, a defesa, o espaço…

Todos estes “pequenos” sistemas podem funcionar em modo “isolado” e até offline. No limite, socorrem-se de sites de apoio e de ligações à Internet (se disponíveis) para realizarem atualizações ou para alguma pesquisa mais elaborada e imediata. No entanto, em casos de utilização ubíqua e “always ON”, poderão estar de alguma forma limitados por eventuais constrangimentos no acesso aos servidores das respetivas empresas.

Contudo, o “passo maior” para a disponibilização em larga escala de sistemas de Realidade Aumentada, tornando-os mais acessíveis e versáteis, foi já anunciado na última conferência da GamesBeat por John Hanke, CEO da Nantic, a empresa que criou o jogo Pokemon Go:

“… we’re looking at how do we make that even more immersive, and how do we allow more people to have a shared experience together in a public space. So we’re investing heavily in this concept of the Augmented Reality Cloud…”

John Hanke

A criação de uma infraestrutura de Realidade Aumentada baseada na cloud transformará por completo a facilidade de acesso, o preço, a disponibilidade e a fiabilidade destes sistemas, permitindo o desenvolvimento da tecnologia a ponto de poder fazer parte das nossas vidas, de uma forma “transparente”, e criar oportunidades de User Experience para lá do que hoje conseguimos imaginar. Acredita-se que, uma vez concluída e operacional, tal estrutura será…

“… (AR Cloud) will be the single most important software infrastructure in computing, far more valuable than Facebook’s social graph or Google’s pagerank index…”
–  “Digital Land” 

A Realidade Aumentada será o passo seguinte da User Experience, em todos os campos. O grande desafio do UX Design está em como poderá integrar a Realidade Aumentada no quotidiano das pessoas, melhorando a sua produtividade e a eficiência e qualidade das suas experiências, seja a nível pessoal, seja a nível profissional.


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